quinta-feira, 29 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

As chamas de almas mortas




















(Para Galdino Jesus dos Santos)
                           - In Memorian 


As chamas de almas mortas
Se movem. Mais um índio cai inerte
Envolto pelas flamas ignotas
De um desdenhar que perverte.

Almas que se ocultam entre chamas
Para destilar ódio, amargura, desdém
E, surdas, em suas tramas,
Não escutam um ser considerado ninguém.

Em meio àquelas labaredas, terminal
De sonhos, esperanças, calor...
De madrugada seca e infernal
Tudo vira tocha em macabro ardor.

(Vislumbramos a solidão do deserto
Que há em todos nós, que navegamos
Em mar vermelho e incerto
De tubarões gélidos que encontramos)

Era um Pataxó que quisera ser
Mendigo de suas próprias heranças
Destronado que fora dos sonhos de ter
Suas matas, habitadas de lembranças.

Recebeu sua parte comendo o pão
Buscado sob mesas fartas,
O seu pedaço de chão:
Em chamas, à semelhança de suas matas.


Juscelino V. Mendes


  1. Eu, autor desse poema, sou neto de uma Pataxó Hã-Hã-Hãe, Ana Maria de Jesus, falecida aos 95 anos em 2003. Em reportagem de Marina Lemle, sob o título, "A caso e causa do índio Galdino, do Jornal do Brasil, a reporter faz citação deste poema, em 8 de novembro de 2001. Senti enormemente a morte de Galdino, como um ente muito próximo. 
  1. Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=y1Hwf3KXKIc&feature=related
     - Clique no título do poema e assista!

domingo, 18 de abril de 2010

Nas desigualdades de quimeras vãs


















Potentior est quam vox mens dicentis


E as baías são todas iguais
Nas desigualdades de quimeras vãs.
Tratamentos desiguais:

Por águas turvas e escuras
Que comunicam rios de leitos duros de pedra
Iguais ao Phlegethon, fonte de agruras

A suportar navios à deriva,
Sem Timoneiro que lhes possa conduzir
A ribeiros de água clara sempre-viva.

Hipocrisias de risos, de luzes, de cores
De espinhos cravados na alma
Que não vêm de flores.

E a Constituição diz não:
À indiferença, à intolerância, ao racismo,
Mas pouco vale se diz não o coração.


Juscelino V. Mendes

  1. A epígrafe: expressão latina, "A intenção de quem fala é mais poderosa do que as palavras".
  2. Phlegethon: esse rio é parte do rio do Inferno - "em silêncio chegamos ao lugar onde flui, saído da selva, um curso d'água cuja cor de sangue ainda me horroriza" - in Inferno, Canto XIV, 76-78 da Divina Comédia de Dante Alighieri.
  3. A Constituição Federal do Brasil, de 5/10/88, art. 5º, XLI, diz: "A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".
  4. Fotografia - crédito: http://www.flickr.com/photos/christianny/428937710/

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Zetética e Dogmática - Crítica ao Ensino do Direito


ZETÉTICA
DOGMÁTICA
Significa perquirir (zetein)
Significa doutrinar, ensinar (dokein)
Acentua o aspecto da pergunta
(pergunta o que é algo)
Acentua o aspecto da resposta (pergunta o que deve ser algo)
Parte de evidências, constatações que podem ser verificadas e modificadas; os princípios ficam abertos a dúvidas
Parte de premissas que são inatacáveis, são postas fora de questionamento; os dogmas
Dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida
Revela o ato de opinar
Função especulativa explícita
Função diretiva explícita
Produz questionamentos infinitos
Produz questionamentos finitos
Exemplos: Sociologia do Direito, Filosofia do Direito etc.
Exemplos: Direito Civil, Processual, Penal, Tributário etc.


1. Definição de Dogmática e Zetética: Dogmática (dokein) = não questiona, porquanto há uma espécie de algo definido, terminado, em que não se pode discutir o que está estabelecido; Zetética (zetein) = Questiona. ao contrário da Dogmática, a Zetética parte do que está estabelecido e feito dogma e reinicia o pensamento, no sentido de se descobrir algo novo e que venha a solucionar novos problemas identificados e surgidos no mundo.



2. Curiosamente, as Faculdades de Direito brasileiras, em sua grande maioria, dão ênfase exagerada às matérias dogmáticas, desprezando a visão zetética, multidisciplinar e crítica, indispensáveis à formação de excelentes profissionais do Direito, vale dizer, formam profissionais com enormes dificuldades para um pensar crítico e avessos à pesquisa em sentido estrito.


3. Enquanto a concepção domesticada do Direito transmitida dá ao aluno uma visão fechada, pronta e acabada a partir de dogmas sacramentados (verdades que são indiscutíveis e perenes), a visão zetética lhe é sonegada como possibilidade de indagar, investigar, duvidar, recriar e repensar o existente e já posto. Há de estar presente naquele que pesquisa, a insatisfação pelo já estabelecido, descoberto. Boaventura de Sousa Santos afirma que "Todo pensamento crítico é centrífugo e subversivo na medida em que visa criar desfamiliarização em relação ao que está estabelecido e convencionalmente aceite como normal virtual inevitável necessário". O conhecimento novo exige que saiamos da zona de conforto e subvertamos o estabelecido como dogma na ciência.


4. Uma postura zetética inclui disciplinas com caráter empírico, ou seja, que parte da experiência, da observação dos fatos, da indução, como Sociologia Jurídica, Antropologia Jurídica, História do Direito, Psicologia Jurídica, Ciência Política e Economia Política etc.



5. A zetética analítica possibilitará uma aprendizagem mais profunda e comprometida, por tomar os dogmas como meros pontos de partida. Pressupõe o ensino competente de Filosofia do Direito (e até um forum nacional, visando melhor compreensão sobre o assunto, como propõe Paulo Ghiraldelli Jr, no vídeo que se segue), Lógica, Metodologia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Hermenêutica, Teoria da Argumentação, Semiótica... O desconhecimento dessas bases, assemelha-se ao conhecimento de paredes bem acabadas, com bela pintura, sem que se conheça qual a base que as sustenta.


6. Enquanto esta postura diferenciada não é oferecida ao futuro profissional do Direito, o resultado que se tem é a total desconexão dos parcos conhecimentos introjetados, com a repetição de conceitos prontos, ditados pelos professores, isolados em cada disciplina, e que não conseguem articulação em uma visão conjunta e coerente do fenômeno jurídico.


7. Há, por outro lado, uma hipertrofia do conhecimento teórico, em detrimento da prática, que impede ao aluno inferir, estabelecer relações e concluir de sua aplicabilidade na vida. Ainda mais porque tais abstrações não são bem claras, ficando ao aluno a sensação de que pode "misturar" um pouquinho de cada teoria, formando uma posição eclética, muito ao gosto do "jeitinho" brasileiro.


8. Assim, sempre é frágil este saber, não aprofundado, pouco sério (do tipo diz-que-diz-que: o professor diz que o doutrinador diz que Kelsen diz...). A insegurança profissional do estudioso é sua decorrência natural. Há um quê de arbitrário nesse tipo de aprendizado, por que embasado sempre na autoridade de quem disse isso ou aquilo.


9. Além disso, e como afirma Regina Maria Flores da Cunha, deve ser levada em conta, a defasagem de duzentos anos do conhecimento teórico ministrado no país. Aqui, a 'Ciência' do Direito evolui lentamente e sem muita vontade. Conforma-se a modelos estrangeiros importados acriticamente, e, por comodismo, mantido o repertório de dogmas, dos lugares comuns, dos nossos mitos. No caso dos operadores [entendo inapropriada esta palavra] do Direito que pretendem ser juízes, a defasagem entre o ensino oferecido e o necessário se revela mais dramática. Sua tarefa primordial será julgar, tarefa mental superior, não-inata. É necessário aprender a pensar e a desenvolver todas as capacidades e a usar a inteligência como poder (Feuerstein). 


10. Pensar é uma forma de aprender, básica para qualquer atividade futura que exija reflexão, conclusão, julgamento e avaliação. Apesar de compreender o emprego de um conjunto de potencialidades inatas, a tarefa de pensar não vem pronta para ser realizada, como outras para as quais o homem já nasce biologicamente preparado (por exemplo, respirar). Pensar é um processo mental superior, que requer aperfeiçoamento. É preciso que o ser humano tenha consciência das operações de pensamento, e que se empenhe para realizá-las com competência. As principais são: comparação, resumo, observação, suposição, imaginação, crítica, decisão, interpretação, aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento, projetos e pesquisas. Pensar é julgar, concluir, decidir; aceitar como opinião estabelecida, acreditar. É refletir; raciocinar; intencionar; planejar. Para Hannah Arendt [1906-1975] pensar, querer e julgar são as três atividades mentais básicas, cuja análise permitirá compreender a existência racional (Arendt).

11. O pensar crítico é o que propõe Platão em sua Alegoria da Caverna. Apenas e tão somente fora da caverna é que se obtem o conhecimento. Continuar preso na caverna, vendo apenas as sombras, é permanecer na ignorância. Considerar o dogmatismo na ciência do Direito como o ponto de chegada é uma  evidente demonstração de não-conhecimento, acrítica e, sobretudo, aceitação do 'pronto e acabado', visto que proveniente de autoridades que disseram o direito tornado indiscutível e perfeitamente adequado para todas e quaisquer sociedades existentes ontem, hoje e sempre.



Juscelino V. Mendes






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Referências bibliográficas consultadas e/ou sugeridas:

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 7ª ed. revista, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995; FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito - São Paulo: Editora Atlas, quarta edição - 2003; FLORES CUNHA, Regina Maria E. Crítica ao modelo de ensino jurídico comum a todos os operadores do Direito - artigo: http://www.femargs.com.br/revista01_regina.html, acesso 15-04-2008; LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edição. Tradução de José Lamego, 1983. PLATÃO. A República (Πολιτεία), livro 7. São Paulo: Martins Editora, 2009. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática - 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. Vídeo Youtube   Trabalho de Teoria Crítica do Direito - UFSM 2008 - ATD 2012. Adrissa Flores, Bruna Seffrin, Diego Moritz, Felipe Montagner, Gabriel Olivo e Raíza Beltrão. Meus parabéns  a esses alunos, pelo trabalho realizado.


quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Salvador


"Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador,
Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade".
I Timóteo 2:3,4


Silêncio!
Templos repletos.
                 Nesta hora,
                             oram por ti,
                                        velam por ti,
                                                   clamam por ti...


Respeito!

Ouve!

Belos cantos.
Falam de ternura, amor, salvação;
cantam, cantam, por tantos!
Por ti.

Oram com ardor
e velam vivos para que tenham vida
no Salvador...

Por que anseiam que tenhas vida,
se muitos querem prosélitos?
Já não lhes basta a lida?

Oh! Não buscam méritos!
Obedecem por gratidão
um salvar pretérito.

Ouve!
Velam por ti
como se fora louça.

Ouve

Velam por ti
para que não te quebres...
Ouve!

Não querem que pereças;
que vagues como ninguém;
que, sem propósito, te desfaleças;

que fujas do além;
que ignores o porvir,
que certamente vem.

Não querem que Zaratustra¹ e o devir
busques para a tua definitiva
e horrenda perdição², que há de vir.

A doutrina destrutiva
do niilismo não combina
com a natureza humana sempre-viva.

Ouve!

Clamam por ti
para que tenhas tempo
                de decidir...

se queres alento,
perene alegria,
ou tudo por breve momento...

Não tens no porvir alegoria!
E no céu não entrarás
por vã filosofia.³

Quem te conduzirá?

Nem mesmo por Virgílio
Poeta soberbo te guiarás 4
como se fora um idílio.

Ouve!

Clamam por ti
para que vejas
(aqui e ali)

O sublime amor de Deus
e da Luz eterna possas gozar,
reservada aos filhos Seus.

Não te permitas desanimar!
Não te cerres a Porta da Mansão 5
que te fará sublime amor encontrar.

Sabes tu, criatura — em vão —,
que por lei não podes entrar
a despeito dos labores de tua mão?

Nisto tens que pensar
Pois na incerteza
não podes ficar.

Ouve!

Clamam por ti
para que, nesta vida incerta,
conheças

A Verdade 6 que liberta,
enaltece a coroa da criação
e te livra da segunda morte certa.

Abre teu coração
e permite nele Jesus
entrar, e canta uma nova canção.

Por ti teve morte de cruz.
Não como um espetáculo teatral,
mas para que recebas a luz.

Ah! Como obterias a vida eternal
se Jesus no túmulo ficasse?
Seria o final...

Mas, num passe,
dentre os mortos ressurgiu
mostrando sua face.

Ouve!

Oram por ti
            Velam por ti
                      Clamam por ti...

Para que vivas a adorada
Pessoa de Cristo, e não a imagem
de uma figura desfigurada.


"Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida; quem
crê em mim, ainda que esteja
morto viverá, e todo aquele que vive
e crê em mim, nunca morrerá. Crês isto?
" —7


Silêncio!
Clamam por ti.


Juscelino V. Mendes


Foto: musical "Tenha Fé" - 2002 - Coral da IBCC e personagens.

  
1."Assim Falou Zaratustra" - Obra do filósofo alemão Friedrich W. Nietzsche.
2.Mateus 7:13
3.Colossenses,2:8
4.Referência à Divina Comédia - Inferno - Canto I, vs 21-27 – Durante Aldighiero.
5."E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus." - Gênesis 28:17.
6."E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." -

7.Palavras de Jesus Cristo - João 8:32.; palavras de Jesus em João 11:25,26
- Poema publicado no livro de poesia filosófica Balé do Espírito, Campinas: Editora Komedi, 1999.
"This building was formerly the home of Lutherans, beginning in 1914. In 1971 the building was sold to an African-American Baptist congregation. The religious iconography has been updated to reflect the church's ethnic composition" (Texto e Imagem: http://www.flickr.com/photos/71288712@N00/2417058673/).
Chamo a sua atenção para esse segundo vídeo. Trata-se de passagem descrita no livro de Mateus, Capítulo 21, v. 12, intitulada "A purificação pelo Rei", verbis: "Tendo Jesus entrado no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores." No mesmo sentido, as passagens descritas em Marcos 11:15-17 e Lucas 19:45,46; João 2:13-16.
Clique no título do poema e ouça "Jesus, alegria dos homens" de Bach.