"A lei civil tem horror à simplicidade."
(José de Alencar)
Em meados de junho de 2007, em entrevista à Revista "Visão Jurídica", da editora Escala, respondi sobre um tema, que muito deveria interessar aos estudantes de Direito: Linguagem Jurídica.
Não se pode negligenciar, o que de mais importa nas relações entre os seres humanos, que é a linguagem. No caso específico, a jurídica.
É notório, o emaranhado de expressões estranhas, complexas e pouco comunicativas a que estamos envolvidos no dia-a-dia, a começar em nossas salas de aula nas faculdades de Direito, cujos professores se esmeram na arte do falar rebuscado e difícil, como se isso fosse algo em que pudéssemos nos orgulhar cada vez mais.
Dentre as questões, que me foram formuladas, na referida entrevista, destaco as seguintes:
- O senhor é a favor da simplificação da linguagem no Direito? Por quê?
- Na sua opinião, como a população em geral avalia a linguagem jurídica?
- Quais as consequências positivas ou negativas para a sociedade com a simplificação da linguagem jurídica?
- Quais as consequências positivas ou negativas para a comunidade jurídica com a simplificação da linguagem jurídica?
- Vale a pena abandonar os velhos jargões e simplificar a comunicação (escrita e oral) com o juiz e com o cliente?
- É necessário uma linguagem tão rebuscada?
- Como escrever uma petição convincente sem ser rebuscado demais (O senhor poderia citar alguns exemplos de petições)?
- Qual o estilo de comunicação que mais agrada a um juiz e torna a defesa mais interessante?
- Que palavras evitar? Por quê?
- Há jargões que não podem ser evitados?
- Dê alguns exemplos de jargões e qual o significado para um leigo?
- Quais os jargões mais utilizados na área em que o senhor atua? Eles poderiam ser evitados? Por quê?
- A tendência é simplificar?
- Advogados resistem à ideia de simplificar a linguagem? Se sim, por quê?
- Se o senhor é a favor da simplificação, poderia citar alguns exemplos de expressões, comuns nos autos, que poderiam ser facilmente substituidas por outras, muito mais claras e objetivas?
Estas questões, em si mesmas, já revelam os problemas da incomunicabilidade entre as pessoas, especialmente entre professores e alunos, que tem o seu aprendizado dificultado, entre profissionais novos e experimentados, entre estes e seus clientes e, finalmente, entre a população em geral, que não entende absolutamente nada do que se fala no estranho e inacessível mundo dos que militam no mundo do Direito.
Comunicação, verbal, ou escrita, significa, sobretudo, entendimento entre aqueles que se comunicam para a solução de alguma coisa de interesse mútuo, pelo uso de palavras simples, diretas e objetivas. Não se concebe uma comunicação que seja compreensível por apenas uma das partes, ou por um seleto grupo, à semelhança de uma tribo.
Muitos gostam de impressionar (e muitas vezes conseguem!), usando palavras difíceis e frases de efeito, sob a falsa ideia de que serão mais respeitados com essa atitude tola e supérflua, muito mais de acordo com as nossas raízes do colonialismo cultural, que propriamente de algo útil e interessante.
Há expressões em petições, contestações, sentenças, acórdãos, que são verdadeiros quebra-cabeças e se assemelham ao que descreve Lago Burnett (in A Língua Envergonhada, p. 89), denominando de "palavrões", em sua critica aos nossos péssimos e irrelevantes modos na comunicação:
"Se alhures, alguém obtemperar, de inopino, de forma assaz peremptória, que é improfícuo o embate, a gente, de bom alvitre, se escafede e dá às de Vila Diogo, não obstante o óbvio e ingente afã de ir à liça".
São palavras que estão em nossos dicionários, sim, mas alguem, que me dá a honra na leitura desta escrita, pode me dizer sinceramente que entendeu o que se pretendeu comunicar com essas palavras gongóricas? Pois é.
Nossa linguagem jurídica caminha no mesmo sentido. Um copia o outro, sem a necessária reflexão. Dogmatiza-se quase tudo. Estamos cada dia mais informados, e, por incrível que pareça, menos letrados, com menos conhecimento. Todos ganharíamos com a simplicidade das palavras.
Lembro-me de Shakespeare, ao apresentar-nos um Hamlet aborrecido e entendiado, quando este diz: "Palavras, palavras, palavras" para Polônio no segundo ato. Quando não temos o que dizer, ou queremos obscurecer intencionalmente a comunicação, usamos apenas palavras, palavras, palavras à semelhança de Polônio.
Juscelino V. Mendes
Referências bibliográficas:
Lago BURNETT, A Língua Envergonhada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.
Willian SHAKESPEARE, Hamlet, Príncipe da Dinamarca, obra completa, vol. I, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1995.
Vídeo: Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=p9BVVrKSCeo
Revista Visão Jurídica, ed. maio de 2007 [Entrevista que concedi à essa Revista em abril de 2007].