Trabalhei por um bom tempo em Buenos Aires. Certo dia, após um bom café logo de manhã, dirigi-me até a garagem do hotel e peguei o automóvel para minha curta viagem de quinze quilômetros, até o escritório da empresa num bairro industrial da bela cidade portenha. À saída do hotel, não pude avançar além do portão lateral. Havia em parte daquela avenida, justamente defronte ao hotel, mais de cem crianças na faixa etária de 7 a 12 anos, mestiças, olhos vivos, belas, sentadas em carteiras velhas, compenetradas, disciplinadas, organizadamente dispostas e enfileiradas. Uma cena no mínimo inusitada. Retornei com o auto e o coloquei na vaga donde o retirara minutos antes. Curioso, fui até o professor que ministrava a sua aula para aquelas crianças interessadas e atenciosas. Perguntei se podia me responder o que significava aquela aula naquele lugar jamais apropriado para a ministração de uma aula. Ele, todo solícito pediu que as crianças o aguardassem por uns instantes, enquanto me explicava as razões daquele protesto: havia bom tempo que aguardava que as autoridades locais fizessem o serviço de manutenção em uma escola a 50 metros dali, que permitisse às crianças um mínimo de condições para o seu aprendizado. Como ninguém se dispusera a atendê-lo, resolveu parar o trânsito e ministrar as suas aulas ali mesmo, até que fosse atendido em suas reivindicações. O mais interessante foi a sua resposta, quando o indaguei sobre a que seria atribuído tal descaso público: "eles são mestiços, índios, considerados gente de segunda classe neste país.". Fiquei ao longo do dia a pensar naquela situação, naquele protesto tão bem articulado, com aquelas crianças consideradas menores na sua estatura moral, por causa de sua extraordinária e bela raça. As flechas contra o preconceito, a ser enfrentado ao longo da vida, estavam sendo afiadas desde cedo!
Juscelino V. Mendes
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