domingo, 10 de junho de 2012

A lua o sol os pássaros


























(Para Adenice Terezinha)



O clarão o fulgor os cantos,
A lua o sol os pássaros.
Meu sonho meu ser.

Quem fâmulo de quem?
Famulávamos todos em
Movimento frenético...

Espaços da lua
Tomados pelo sol;
Pássaros bicos os pedaços.

Assembleia de criaturas
Servindo ao céu;
Estrelas da noite.

Pálpebras flutuam no escuro.
No espanto a busca do saber¹
Aristotélica do renascer.

Eterna existência de astros me fez companhia;
Não haverá mais encontro igual.
Desceram-se-me aos olhos trevas espessas
Juscelino V. Mendes






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(1) "A busca do saber nasce do espanto" - Aristóteles - Met. A, 2982b 12.

Sobre a obra
Poema composto a partir de um sonho narrado por Terezinha, e eu o transformei em versos. E a foto
em NY.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Tribunal










O direito penal
é um teatro,
cujo arsenal,
seja na c.p.i.,
seja no tribunal,
tanto em cachoeira, quanto aqui,
sempre nos deixa de quatro!...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Rocha de emoções







Rocha de emoções 
fortes, flébeis às vezes:
desencontradas;
-em busca de ancoradouro-.

Seguras.
e feito ondas do mar,
quebradas na chegada.

E o recomeço
de vivências agora
que são o futuro de ontem
com aparências de esperança.

E feito a bruma, a nuvem baixa, o vapor:
escorrego sobre pétalas!...

Juscelino V. Mendes



Sobre o texto 
Poema que exterioriza momentos de fortaleza, e, paradoxalmente, de fraqueza.
Momentos de reflexões filosóficas e teológicas, que desembocam na poesia.
E acalmam a inquietude do poeta.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Carmélia...




Carmélia gostava de ler Mann, Machado, Bandeira, Baudelaire, Schopenhauer, Cervantes, Sartre, Epicuro e, por incrível que pareça, até Nabokov. Isto não é nada normal tratando-se de uma adolescente, e que podia estar nas rodas de amiguinhos falando amenidades que jamais seriam objeto das escritas desses estranhos escritores. Lia-os, devorava-os como se degustasse um sorvete de nozes, com aquele seu gosto característico de embasbacar uma criança em dia de sol. 


Os poucos amigos tentavam compreender o seu gosto estranho de horas a fio com um livro daqueles nas mãos, em seu mundo particular. Alguns adultos, considerados normais, temiam-na na mais ínfima discussão que fosse, porque não acompanhavam aquele raciocínio rápido, perspicaz e maduro de uma mulher precoce. Disfarçavam tal atitude fingindo desconsideração. Não havia forma, meio e nem condições para um compartilhar de quase nada que pudesse tornar o seu ambiente social agradável. 

Nem mesmo a música conseguia enquadrá-la no meio dos jovens de sua idade, pois preferia em geral aquelas que foram sucesso na juventude de seus pais. Cantarolava, dançava, sorria e vivia tempos idos, sonhando com o passado como se nele houvesse vivido, lembrando certas passagens de Wilde em "Dorian", ou Proust "Em Busca". 

O mesmo se dava em relação à sua família composta de seus pais, ela e seu gato, que considerava um ente muito querido naquela família. Ele, um siamês, desfrutava de suas confidências, de seus sentimentos mais íntimos com o seu olhar terno e, ao mesmo tempo, desconfiado. Considerava-o seu companheiro para todas as horas e não se podia tratá-lo como um bicho, pois para ela a compreensão recebida dele lhe tinha mais valor que a de seus próprios pais algumas vezes. Estes, nunca lhe falaram de Deus, porque também não O conheciam, embora conhecessem por alto uma religião oca e vazia como é o próprio ídolo.

Ninguém sabia se havia um amor em sua vida, embora se suspeitasse disto. Ficava fascinada, em alguns momentos, como aquelas mulheres que se encantam pelo boto ou são encantadas por ele. Quem seria o seu boto? Um sertanejo rude, daqueles criados pela imaginação poética de Guimarães Rosa, um intelectual, um poeta, ou o amálgama de todos eles juntos? Aquele gato, de certa forma, não representava o boto, confundindo-se com um homem? Eis que dormia em sua cama, roçava suas pernas, sentia seu cheiro a reclamava com as patas, unhando a porta do reservado, quando C. passava mais que o necessário fazendo sua higiene pessoal. O gato parecia sentir-se como aquele personagem kafquiano que não conseguia adentrar o Castelo, com a diferença da rebeldia demonstrada pelo felino. 

O interior de C., indevassável por um reles mortal, não tinha nenhuma abertura que pudesse deixar entrever algo no sentido da vida, muito menos sobre o amor. Houvesse uma demonstração mínima que fosse no estilo febril das mulheres romanceadas por Lawrence, ou de Emma Bovary, ainda seria possível entrar em sua quietude, mas isto era impossível, pois vivia consigo mesma, em sua solidão escura e como se não ligasse para nada mais ao seu redor. Sobretudo, partilhava do pessimismo de Schopenhouer, embora, paradoxalmente, se desfizesse em esperança noutros momentos. Parecia uma sertaneja rude à distância, mas de uma nobreza digna de reverência evidenciada em seu olhar, nos gestos, na fala, no andar de balanço estético. À semelhança de um vestido rústico sobre um corpo esbelto; um corpo rústico, como rústicas são todas as coisas essenciais, carregando uma alma sensível e delicada. 

Adorava os poetas que falassem fundo em seu ser por versos compostos como flores escassas. Declamava baixinho para o gato versos de amor; comunicava-lhe numa linguagem quase mística, esperando respostas de um felino interessado nas carícias de uma gata quase bicho quanto ele. A recíproca era verdadeira. Muitas vezes em sua imaginação fértil, via-no um homem, especialmente quando sentia a delicadeza estampada nas suas patas carinhosas: no roçar objetivo, no olhar penetrante, nas artimanhas masculinas da posse. Amava-o também com interesse de gata selvagem. E ambos se entendiam no silêncio de todas as horas, nas chuvas, nos ventos calmos, no calor, nas saudades, numa cumplicidade quase animal e poética.


Juscelino V. Mendes





Sobre a obra


Esse conto é uma homenagem à escritora cearense, Carmélia Aragão, quando, ainda adolescente, gostava de ler e afagar o seu siamês. Carmélia, em seu livro, "Eu vou esquecer você em Paris", Fortaleza: Imprece, 2006, faz referência a este conto no seu "Felis Catus".

Homenagem também à magnífica obra de Balthus e aos meus escritores favoritos.


Imagem: The Living Room - 1941/1943 (foto: http://photos1.blogger.com/img/286/2511/1024/balthus51.jpg


sábado, 10 de março de 2012

A Morte de Tony no Zôo de São Paulo


Que estaria Tony a pensar com aquele ar de filósofo existencialista? Não certamente que, em algum momento, um animal racional estivesse tramando tirar a sua vida de forma tão cruel e sórdida. Entretanto, seu olhar fixo, braços cruzados, sentado conforme o seu costume, pressagiava que algo estaria por vir e não seria prazeroso. Pouco tempo depois de pensar, experimentaria ele a dor, um dos dois senhores que, no dizer de Bentham, sujeitam os animais racionais. Mas Tony era irracional!... 


Tony não era humano, mas o seu assassino dizem que sim. E estava prazerosamente envenenando Tony. Tudo começou no dia 24 de janeiro de 2004. Dia fatídico para Tony e alguns de seus iguais.

Trata-se de um problema que, talvez, deva ser resolvido pela filosofia. Quem na verdade é humano nessa história, Tony ou seu assassino? Tony de há muito vivia naquele Zôo levando alegria para as pessoas que o visitavam, ainda que não fosse a sua intenção, vez que não entendia as razões pelas quais levavam tanta gente a desejar olhar para ele, especialmente nos finais de semana e feriados. 

Estava preso naquele Zôo por ter praticado algum crime? Quanto tempo passaria ali sem a sua permissão? Desejara tantas vezes a liberdade! Sim, porque aquilo era tudo, menos liberdade. Algo como uma liberdade relativa, como gostam de dizer os humanos.

Sempre pensava se não seria atração por se parecer um pouco com eles, seus visitantes. Seriam seres de outro planeta? Por que eles andavam tão eretos e falavam tanto? Inclusive seu nome encontrava semelhança com alguns deles: Tony. Nancy, assim mesmo com Y, e seu igual Felipe, também foram alvos da trama assassina perpetrada por algum infeliz dos chamados humanos. Estes mesmos, aos quais Darwin, e seu evolucionismo tresloucado, dizia descenderem de Tony.


A notícia da morte de Tony, e de seus amigos, informa que os corpos das vítimas vão para museus e faculdades veterinárias para estudo ou empalhados para exposição. Exposição? Sim, exposição. Tony agora será alvo não mais da alegria dos humanos, mas talvez da reflexão deles mesmos de quão maldosos são. A diferença entre o que acontecia antes, quando era visitado em vida, e hoje, estudado, empalhado, é que não pode mais filosofar a sua existência precária e triste, nem entender a enorme distância que há entre os seus dessemelhantes assassinos e o Criador de todas as coisas.


Juscelino V. Mendes


Sobre a obra

Todas as manhãs, o tratador do Zoológico de São Paulo Vicente Lucas Soares ia ao recinto dos chimpanzés para alimentar os quatro animais que viviam ali. Assim que notavam sua aproximação com a bandeja cheia de frutas, verduras e ração, os macacos começavam a pular e a gritar. "Era uma festa", lembra Soares. No último dia 24, a recepção foi diferente. Todos pareciam mais quietos que de costume. Ao entrar na jaula de "Tony", um primata de 14 anos e 70 quilos, o tratador encontrou-o estirado no chão. Estava morto. Tony foi o primeiro de uma lista de dez bichos envenenados com raticidas nas duas semanas seguintes. As vítimas são mais dois chimpanzés, três antas, três dromedários e uma elefanta. Veja, 18-02-2004 - http://veja.abril.com.br/vejasp/180204/bichos.html

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Os assassinos até hoje não responderam por seus crimes bárbaros. Se é que haja algum crime que não o seja, mas tratando-se de animais indefesos... Neste conto filosófico e poético, a minha perene indignação!


Imagem de Tony: http://www.overmundo.com.br/uploads/banco/multiplas/1219286244_490pxmattiparkkonen_chimpanze1.jpg

domingo, 19 de fevereiro de 2012

As flores exalavam silêncio










"Gosto de olhar os túmulos,
na esperança de um dia
encontrar meu nome".

(Nelson Rodrigues)



As pessoas exalavam tristeza.
O espaço, maior que o destino,
Abarcava alguns em desatino
Estampando a dor em inteireza.


As flores exalavam silêncio:
De perfume acre,
Em lacre,
Fremiam no incêndio.

O ambiente abafado e triste
Lembrava-me a mim,
Com dedo em riste:

Agora você existe!
Amanhã será assim:
Real-mente triste.

Juscelino V. Mendes



Sobre a obra
Sempre que vou a um sepultamento, ou simplesmente à uma visita ao cemitério, penso e me lembro das palavras profundas de Nelson Rodrigues: "Gosto de olhar os túmulos, na esperança de um dia encontrar meu nome". Penso, sobretudo, na descrição do Eclesiastes 9: 9,10: "Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida vã, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade; porque esta é a tua porção nesta vida, e no teu trabalho, que tu fizeste debaixo do sol. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.". É a sabedoria das Escrituras Sagradas! Compus esse soneto no Cemitério Flamboyant, Campinas, por ocasião do sepultamento de um amigo.

Imagem:
http://1.bp.blogspot.com/-bxo11SgpKgE/T0EtlmdhMAI/AAAAAAAAAhU/QwhrsPnZf3I/s1600/1229471374_nelsonrodrigues.jpg

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Árvore


“Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça
Móvel terra, céu incerto,
Mundo jamais descoberto.”


(Jorge de Lima – Invenção de Orfeu,
Canto 1º, 2ª Estrofe – V)


Árvore de covardes galhos,
Finge cobrir e abrigar
Pássaros em flébeis ninhos,
Raizada nas areias do mar.

Muda carregada no bico,
Plantada por ave de rapina,
Que se aninhara nas sombras
Para surpresa felina.

Tronco estalando à deriva!...
Blocos de folhas caem a seguir,
Pássaros voam no silêncio.
Alguns não podem partir.

Sufocados na presença do mar,
Cujas ondas secretas
Bramem sobre aparadas asas
Em ninho de fibras concretas.

Árvore, ninhos, cantos e sonhos
Descem ao pó em segundos,
Feito copas, empilhadas.
Tudo é dor e silêncio profundos.

Juscelino V. Mendes



Sobre a obra

"Naya demolições. Construtora de deputado é especializada em obras de risco como o prédio que caiu na Barra da Tijuca e soterrou oito pessoas..." - Revista Isto é, 4 de março de 1998. 
Pessoas morreram por conta do desdem das autoridades sem autoridade. Neste ano de 2012, já tivemos novas desgraças semelhantes, no RJ e em São Paulo, por conta do mesmo desdem de quem deveria cuidar e fiscalizar, mas não o faz: as autoridades.
Imagens - fontes:
01-http://i1.r7.com/data/files/2C95/948F/3516/C7A7/0135/1746/1294/10A7/6Predio700.jpg 
02-http://www.overmundo.com.br/uploads/banco/multiplas/1234980683_22_mhg_rio_palaceii_materia.jpg 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Não serei mais




"...Cada vez que eu me despeço de uma pessoa pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez. A morte, surda, caminha ao meu lado. E eu não sei em que esquina ela vai me beijar..."
(Raul Seixas¹)



Acontecerá num vôo qualquer,
automóvel,
guiando ou guiado,
pedestre
numa desatenção,
pensando no primeiro movimento
"Trois Gymnopedies" de Satie?

Numa explosão no mar,
batida brusca,
um leve desaparecer,
lendo, escrevendo
um livro, cujas linhas sumirão
feito névoa?

Não serei mais
nada
quando ela chegar;
não será mais
nada
quando eu me for.

Contudo, estarei além do rio
em ruas de ouro
para sempre.


Juscelino V. Mendes

______________________________________
(1) Epígrafe: trecho da letra "Canto para minha morte" de Raul Seixas e Paulo Coelho.


Sobre a obra


Reflexão filosófica-poética sobre a vida, no dia de meu aniversário, sobre a morte e alem dela. Neste sentido, o último inimigo a ser destruido é a morte, conforme a 1ª Carta de Paulo aos Coríntios, 15.26. Se não serei mais, ela, tambem, não mais poderia me alcançar, daí a vitória definitiva. E não se enganem pelas aparências do poema. Gosto muito da bela música de Caetano Veloso:

Araçá Azul é sonho-segredo
Não é segredo
Araçá Azul fica sendo
O nome mais belo do medo

Com fé em Deus
Eu não vou morrer tão cedo



Imagem: http://www.overmundo.com.br/uploads/banco/multiplas/1222958391_meister_des_mausoleums_der_galla_placidia_in_ravenna_002.jpg

sábado, 28 de janeiro de 2012

Haicais




Nuvens escuras -
Verão: choro abundante
Em densas trevas

Murky and dark clouds -
Summer: abundant whimpers
In compacted night

Límpido céu
Nuvens de azul intenso
Riachos longínquos

Limpid the heavens
Clouds of intense blue colour
Far away streamlets

Longas estradas
Curvas acentuadas
É quase inverno

Lenghty the highways
Of accentuated curves
It´s almost winter

Juscelino V. Mendes




Um haicai para ser haicai, e preservar as origens nipônicas, há que nascer de algo visto e sentido da natureza pelo poeta. Há muita gente chamando de haicai o que haicai não é. Vemos e sentimos toda a cena, quando lemos o belo poema do mestre do haicai, o poeta japonês Matsuo Basho (1644-1694), quando, ao contemplar uma lagoa tranquila, escreve:

Furu Ike ya  
Kawasu tobikomu
Mizu no oto

velho lago 
mergulha a rã 
fragor d'água

Você não chega a perceber essa rã e o fragor d'água ao ler este haicai?

sábado, 21 de janeiro de 2012

AO SOM DO REGGAE



















No espaço
depois da escrita
ficou o som de Tosh: 
NothingBut Love, 
Pick Myself Up 
E no som estavas tu-eu.
Tocando o tambor mágico do tempo

E porque eu-tu
nós
somos parte do tempo
estaremos permanentemente em toda parte.

No tambor
no som de Marley: 
KinkyReggae, 
Rainbow Country
no tempo
e nas coisas.

Juscelino V. Mendes






Na música, no som, sempre ficam as coisas mais profundas, indeléveis, marcantes E cada vez que se repete aquele som, os sentires todos se amalgamam em perfeita harmonia no presente, no instante da vida.



domingo, 1 de janeiro de 2012

Deveras a vida se renova











Já o ano que se faz novo
Adia um tempo que passou;
Deveras a vida se renova
E delicadamente me beija!
Bebo o beijo em copo de cristal
E no charme do amor,
Espraia-me o gesto
Espumante da vida!

Juscelino V. Mendes



(Mundo, 1º de janeiro de 2012) - 

Imagem - fonte: http://www.flickr.com/photos/dondyego/2762056700