sexta-feira, 10 de abril de 2020

A PESTE NEGRA E O ISOLAMENTO SOCIAL

O século é o XIV. A doença é chamada de “Peste negra” e chegou à Europa no ano de 1346. Disseminava-se pelo contato; pneumônica, atingia os pulmões e era disseminada pela infecção respiratória.

A mortandade foi enorme. “Um terço do mundo morreu”, conforme relata a historiadora estadunidense Bárbara W. Tuchman (1912-1989)*:

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“Rigorosas medidas de quarentena foram tomadas por muitas cidades. Tão logo Pisa e Lucca foram atingidas, a vizinha Pistóia proibiu aos seus cidadãos que estavam nessas cidades que retornassem, proibindo também a importação de lã e linho. O doge e o Conselho de Veneza ordenaram que as sepulturas na ilha tivessem pelo menos um metro e meio de profundidade e organizaram um serviço de barcas para transportar os cadáveres.
A Polônia estabeleceu uma quarentena em suas fronteiras que lhe assegurou uma relativa imunidade. Medidas draconianas foram adotadas pelo déspota de Milão, o arcebispo Giovanni Visconti, chefe da mais audaciosa família de governante do século XIV. Ele mandou que as três primeiras casas onde a peste se manifestou fossem muradas com os seus ocupantes lá dentro, encerrando num túmulo comum os sãos, os doentes e os mortos. Se foi pela rapidez de sua ação, ou não, o fato é que Milão teve um reduzido número de mortos (...).
Mais comum eram as procissões de penitentes, autorizadas a princípio pelo papa, algumas com duração de até três dias, outras com mais de duas mil pessoas, que acompanhavam a praga por toda parte e ajudavam a espalhá-la. (...). Quando tornou-se evidente que essas procissões eram fontes de infecção, Clemente VI teve de proibi-las.

(...). O bacilo real da peste, ‘Pasturella pestis’, só seria descoberto quinhentos anos mais tarde. Vivendo alternadamente no estômago da pulga e na corrente sanguínea do rato que era hospedeiro da pulga, o bacilo, em sua forma bubônica, era transferido para os seres humanos e os animais pela mordida do rato ou pela picada da pulga.”.

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Mundo, século XXI, ano 2020: temos a 'nossa peste negra' denominada Covid-19. Em quase tudo se assemelham, notadamente na evidente demonstração de ignorância por muitos a seu respeito, no que concerne ao necessário isolamento social. Com as suas atitudes desumanas, estão atrasados ‘apenas’ seis séculos!

Juscelino V. Mendes


(*Barbara W. Tuchman, Um espelho distante, p. 95-101 / 1978).

O ESTOICISMO, A COVID-19 E A PROCURAÇÃO


Há muita gente contestando o obrigatório distanciamento social, sob vários argumentos, até o ponto de encarar, com certa apatia, a morte - desde que seja a morte de gente de outras famílias, que não a sua. Isso, além de desonesto, desumano e anticristão é de uma hipocrisia impressionante, sobretudo, porque estão dentro de suas casas, com as suas máscaras (nos dois sentidos) e tomando todas as precauções, com medo da Covid-19.

"No século IV a.C., a questão ética que preocupava os estoicos era como reagir à predominante sensação de fatalismo que brotava do fato de se viver num império rigidamente controlado. Eles não podiam fazer grandes mudanças em sua vida diária, então decidiram mudar de atitude quanto a vida em si. Era o único controle pessoal que lhes restava. O que os estoicos formularam foi uma estratégia de distanciamento emocional da vida. Chamavam essa atitude de 'apathia' e, para os estoicos, a apatia era uma virtude [como o é para muitos nestes dias de Covid-19], que os transformava em fonte de risos na taverna local. Os estoicos estavam dispostos a sacrificar alguns tipos de felicidade (sexo, drogas e hip-hop dionisíaco) a fim de evitar a infelicidade provocada por suas paixões (doenças sexualmente transmissíveis, ressacas e rimas ruins). Guiavam-se apenas pela razão, nunca pela paixão, e, portanto, consideravam-se as únicas pessoas realmente felizes - o que quer dizer que eram ininfelizes.

Na história abaixo, o Sr. Cooper demonstra uma forma moderna de estoicismo: o estoicismo por procuração.

O casal Copper entrou no consultório do dentista, onde o Sr. Cooper deixou claro que estava com muita pressa.

- Sem muita frescura, doutor - mandou ele. - Não precisa anestesia nem nada. Arranque o dente de uma vez e vamos acabar logo com isso.

- Que bom seria se meus pacientes fossem estoicos como o senhor - disse o dentista, admirado. - Então, qual é o dente?

- Sr Cooper virou para a esposa e disse:

- Abra a boca, querida."*



(* Thomas Cathcart & Daniel Klein. PLATÃO e um ORNITORRINCO entram num bar, p. 92-93).

E O POVO SE MANTEVE EM QUARENTENA...

O prefeito de Varginha-MG, Antônio Silva, quis entrar na onda do vale mais a economia, a comida, o emprego, blá, blá, blá, como se doente, ou morto pudesse trabalhar etc. e assinou decreto permitindo o funcionamento do comércio. O povo se rebelou contra ele e se manteve em quarentena. O prefeito renunciou.

Tomás de Aquino (1225-1274), ensina que a Lei humana é puramente convencional e relativa, altamente contingente, e que deve refletir o conteúdo das Leis Eterna e Natural.


E se estiver baseado na perversão da reta razão (como o decreto do prefeito e as determinações-atitudes do presidente da República), ou um conjunto de regras de autoridade que servem a um ou a poucos? Perderá, segundo Tomás, a sua força coativa dada pela natureza, preservando apenas o que lhe é dado por convenção e deve ser desobedecida.

O povo de Varginha agiu dessa forma, dando-nos o exemplo, que o Brasil todo deveria adotar. Esse é o verdadeiro exercício da cidadania; a crítica correta, isenta de ideologia 'non sense'...